segunda-feira, 18 de abril de 2011

Pesquisa sugere que estresse causado pelo bullying altera a química cerebral.


Medo: camundongo “vítima de bullying” (à direita) procura se manter o mais longe possível de seu agressor, mesmo quando os dois são colocados em ambientes separados.

Em experimento com camundongos, pesquisadores de universidade americana acham indícios de que o estresse causado pelo bullying altera a química cerebral, afetando principalmente as áreas relacionadas à ansiedade e à socialização.

Que o bullying provoca mudanças de comportamento em crianças e adolescentes, tornando-os mais retraídos, ansiosos e socialmente isolados, entre outros sintomas, já se sabia. Agora, um novo estudo acha pistas importantes de como essa forma de violência causa danos no cérebro. Na pesquisa, uma equipe da Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos, analisou o comportamento e a anatomia de camundongos submetidos a uma situação de estresse social crônico, semelhante à pressão sofrida por alunos perseguidos sistematicamente e durante um longo período por colegas. A descoberta foi que o abuso modifica a química cerebral, principalmente em regiões fundamentais para o processamento das emoções.H umberto Rezende, no Correio Braziliense.

Principal autor do estudo, publicado recentemente na revista especializada Psychology and Behavior, Yoav Litvin explica ao Correio que as conclusões podem lançar luz sobre os efeitos do bullying e de outras formas de estresse social nas pessoas. Isso porque as regiões cerebrais nas quais os cientistas focaram estão presentes em todos os mamíferos, dos pequenos roedores aos homens.

Para realizar o experimento, a equipe de Litvin criou em laboratório uma espécie de jardim de infância para o qual nenhum camundongo gostaria de ser mandado. Presa em uma gaiola de vidro, a cobaia era obrigada a conviver por 10 dias com animais mais velhos e maiores que ela — um rato diferente por dia. Como são territorialistas, assim que se viam dividindo o mesmo espaço, os camundongos tendiam a se enfrentar, e a cobaia, em desvantagem, perdia a disputa invariavelmente.

Os pesquisadores permitiam que as brigas diárias durassem apenas 10 minutos. Depois desse tempo, eles isolavam o camundongo maior em um cubículo de vidro, ainda dentro da gaiola. Dessa forma, o animal menor ainda podia ver, ouvir e sentir o cheiro do agressor, situação estressante para ele. Depois de viver sob esse tipo de pressão por 10 dias, a cobaia ganhava um dia de descanso e era levada então a uma outra jaula, onde passava a conviver com animais de mesmo tamanho ao seu.

Todos os animais que haviam passado pelo trauma do “bullying” apresentavam mudanças de comportamento nessa fase do experimento. “Nós descobrimos que, depois de passarem dias sentindo-se derrotados e subjugados por outros animais, os camundongos ficaram relutantes em se aproximar de outros animais de sua espécie”, descreve Litvin, em entrevista por e-mail.

Hormônio

Identificada a mudança comportamental, os pesquisadores partiram para uma análise do cérebro dos camundongos traumatizados. Primeiro, eles notaram que uma droga que inibia a ação de um hormônio chamado vasopressina era capaz de reduzir a ansiedade das cobaias. Depois, a equipe examinou os cérebros dos animais e notou que eles estavam mais sensíveis à ação do hormônio, que no ser humano está associado à agressão, ao estresse e a distúrbios de ansiedade. O aumento dos receptores de vasopressina foi notado especialmente na amígdala, área que pode ser descrita como o centro emocional do cérebro.

Para Litvin, essas alterações no sistema cerebral podem ser a base da mudança comportamental surgida a partir de situações de estresse social crônico. “Os roedores estressados apresentaram mudanças na ativação de neurônios que estão relacionados com o controle da ansiedade e com a socialização. Essas mudanças podem ser a base de alguns dos efeitos comportamentais que surgem em situações como o bullying”, afirma.

O especialista acredita que o estudo pode ajudar a compreender melhor os efeitos de traumas surgidos pelo convívio social e levar ao desenvolvimento de tratamentos ou maneiras de prevenir as consequências do estresse crônico em humanos. Ele ressalta, no entanto, que outros estudos precisam ser feitos antes de se afirmar que os danos observados nos cérebros dos camundongos se repetem nas pessoas. Também não se sabe se essas alterações — mesmo nos ratos — são permanentes ou se o cérebro volta ao normal depois de um período longo distante da fonte de estresse. “É importante lembrar que os cérebros de camundongos e humanos são muito diferentes”, frisa.

Os indícios apontados pela pesquisa norte-americana, porém, não surpreendem a médica psiquiatra e especialista em bullying Ana Beatriz Barbosa Silva. “Qualquer estresse leva a mudanças de comportamento e promove a liberação de uma série de substâncias químicas”, diz a autora do livro Bullying: mentes perigosas nas escolas (Objetiva). No caso do bullying, ela ressalta que a situação tende a ser mais grave, porque o estresse pode se prolongar, tornando-se crônico. “Como a criança normalmente não conta a ninguém o que está sofrendo, a situação pode seguir por um ou dois anos. A amígdala cerebral fica mesmo hiperfuncionante e passa a sinalizar perigos que às vezes não existem”, completa.

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